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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Pago por ter nascido "indevidamente"

Decisão inédita do Supremo espanhol

Por Ana Gerschenfeld

Um menino espanhol com síndrome de Down vai receber uma pensão vitalícia. Tudo porque os médicos que acompanharam a gravidez da sua mãe não detectaram a doença, negando-lhe assim o direito a optar pelo aborto.

Há crianças que nascem por acidente, por acaso. Algumas, apesar de o seu nascimento não ter sido planeado, são crianças desejadas pelos seus pais. Outras não. Mas será que alguém pode nascer indevidamente aos olhos da lei? E, nesse caso, se o nascimento for devido a um erro de outrem, terão os pais da criança o direito a ser indenizados? Na Espanha, a resposta encontrada foi claramente sim: o Supremo Tribunal daquele país condenou há umas semanas uma administração regional de saúde e uma universidade a pagarem 1500 euros por mês a uma criança que, na sequência de um erro de diagnóstico pré-natal, nasceu com síndrome de Down. A questão é que a criança poderia não ter nascido se os pais tivessem sido devidamente informados e tivessem optado por interromper a gravidez. As instituições terão ainda de pagar 75 mil euros a cada um dos pais da criança.

Tudo começou a 15 de Dezembro de 2003, como se pode ler no acórdão do Supremo, publicado a 16 de Junho passado, quando a futura mãe, na altura com 39 anos, decidiu submeter-se, através dos serviços de saúde da Comunidade de Valência, a uma amniocentese - para despistar, nomeadamente, uma eventual síndrome de Down no feto.

A análise do líquido amniótico foi realizada num laboratório da Universidade Miguel Hernández, na cidade de Elche, e o resultado considerado normal. Mas quando José Pedro nasceu, a 16 de Maio de 2004, tinha síndrome de Down. Saber-se-ia a seguir que, "ao que parece", a anomalia cromossómica não fora detectada devido a uma troca de amostras no laboratório.

Direito negado

Pode-se perguntar como é que os pais do menino conseguem conciliar o seu amor pelo seu filho - entrevistados esta semana pelo diário espanhol El País (que qualificou a sentença do Supremo como "pioneira em Espanha"), declararam que gostam dele "do fundo da alma" e que ele é "o que há de mais importante" nas suas vidas - com o fato de invocarem perante um tribunal a violação do direito da mãe a impedir que ele nascesse, mas esses são os fatos, por contraditórios que possam parecer.

Por outro lado, a atitude dos pais pode ser vista sob outro ângulo mais pragmático: o seu objectivo pode ser, acima de tudo, garantir o maior bem-estar possível ao seu filho, agora e no futuro. De fato, os custos envolvidos no tratamento e na educação de uma pessoa trissómica podem ser muito elevados. "O mais importante", disse a mãe ao diário espanhol, "é que ele vai ter uma mensalidade garantida durante toda a vida - e isso dá-me sossego."

As implicações morais e éticas deste dilema são fáceis de imaginar - como as do aborto dito terapêutico. Mas nem todas têm resposta.

Seja como for, em termos legais, a queixa dos pais tem razão de ser à luz das diversas leis sobre o aborto em vigor em Espanha e noutros países. Resumidamente, na medida em que uma mãe tem o direito de abortar em caso de malformações graves do feto, pode-se alegar que, no caso presente, esse direito lhe foi negado. Do lado oposto, porém, pode-se argumentar que a medicina não é uma ciência exata - e que o diagnóstico pré-natal nunca é 100 por cento seguro. E também é razoável dizer que os médicos não foram responsáveis pela doença do feto - e que, nesse sentido, não houve intenção de provocar um dano.

Um caso em Portugal

Casos como este não são inéditos: nos EUA, na Grã-Bretanha, em França, na Holanda, Itália, Alemanha - e em Portugal - têm sido apresentadas, ao longo dos anos, queixas em tribunal com o objetivo de se obter reparação por erros médicos deste tipo. Mas nem os especialistas de direito nem os tribunais têm sido unânimes e os diversos processos têm tido desfechos diversos.

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